quarta-feira, 9 de novembro de 2016

retrato de uma garota em pedaços

Sempre fui uma garota saudável, auto-estima questionável, mas com amigos e família sempre leais ao meu lado.
Conforme fui crescendo essa realidade feliz foi se transformando e se tornando assustadora, pais que se separam, mortes de entes queridos, mudanças, e tudo mais o que pode afetar o psicológico de uma adolescente confusa de natureza.
As explosões de raiva começaram nessa época, logo eu, a princesa da fofidão de repente me tornei um bomba, pronta pra estourar. Gritos, palavrões, vontade de quebrar coisas, veio o combo da nervosia raivosa.
Entrei na faculdade, um pouco mais controlada, principalmente controlada por um relacionamento pra lá de abusivo, onde eu sentia culpa. Mais culpas foram sendo acarretadas, eu já me sentia culpada por meus pais separados, me senti culpada por ter uma relação conturbada com a minha mãe e junto a isso foram se juntando as culpas trazidas nesse relacionamento instável e terrível. Culpada por ser inteligente, culpada por passar numa faculdade pública, culpada por ter amigos, culpada por ter tirado carta de motorista, culpada por tanta coisa que eu já não conseguia mais distinguir.
Fui definhando, me tornando alguém diferente de mim mesma, já não dançava, não cantava e nem tentava tocar violão, não era agradável pra esse namorado. Meus amigos estranhavam, se preocupavam, minha família condenava o relacionamento e eu achava que iria morrer sozinha caso terminasse (e ele sempre reforçava isso). 
Me forcei a me enquadrar nesse espaço onde eu não cabia, eu era a mexerica na cabeça de alho, parecia que eu podia ficar ali, mas não podia. Forcei-me a passar por situações adversas, carrego alguns traumas dessas situações gravados bem fundo, pra nunca esquecer, o que só me dá munição na hora de me julgar, porque a auto-crítica que há em mim adora arranjar pensamentos ruins com propriedade de causa, para que eu me deteste ainda mais.
Não me recordo se foi sempre assim, se sempre não gostei de mim, mas sei que nunca enxerguei em mim as qualidades que as outras pessoas costumam enxergar. Sempre me senti menos especial do que me diziam, menos bonita, menos legal e com certeza muito menos interessante do que pudesse parecer.
Consegui me livrar do relacionamento, mas não das marcas, essas parecem ser absurdamente eternas. Elas me travam, me transformam e me fazem temer não só ao presidente golpista, mas a encontrar com esse ex na esquina da vida e desmontar.
Quando comecei a conviver na faculdade com outras pessoas acabei encontrando gente mais parecida com aquilo que eu já tinha sido, com gostos e opiniões semelhantes, foi assim que conheci meu namorado e comecei a tentar ser de novo uma pessoa normal.
Falhei. Estou falhando miseravelmente, as crises de choro que antes eram impensáveis, se unem aos ataques de raiva e fazem com que eu me torne realmente uma bomba pronta pra estourar a qualquer segundo. Eu sou como uma grande mina terrestre e viver comigo é como jogar aquele antigo campo minado, uma hora a carinha feliz explode e morre. E você explode e morre junto. De dor e de vontade de desaparecer, de ser invisível, de parar de fazer os outros sofrerem.
Porque é como se eu fosse uma imensa máquina de sofrimento, quando eu vejo já magoei todo mundo. Pobre menina rica, cercada de amor e de gente disposta a ajudar, presa dentro dessa dor desistindo de tentar.
A angústia, essa já é minha conhecida e companheira, não me deixa dormir e nem realizar nada sem ter a sensação de que vou sucumbir antes do fim. Porque ao que parece, não há o que fazer, não deveria me sentir assim, não tenho motivos pra isso. Sou uma garota saudável e que tinha tudo pra ser feliz.
Essa é a parte que mais incomoda, não foi isso que eu planejei pra mim, nunca quis dar trabalho, muito menos incomodar. Aqui estou sendo o fardo, a preocupação e a insistência em existir. Porque insisto, todos os dias, mesmo que isso seja doloroso pra mim.
Eu me sinto sem sentido. A angústia, o medo, a insegurança e a inevitável falha fazem de mim a pessoa covarde que me tornei. Dormir se tornou difícil e  a minha convivência comigo se tornou quase impossível.
Aqui estou, travada, sem conseguir concluir pedaços da minha vida e atrapalhando todo mundo.